Objetos inanimados são representados na pintura desde a Idade Média, em geral como fundo de pinturas religiosas de cunho realista. Mas é somente em meados do século XVI que a natureza-morta emerge como gênero artístico independente em obras de pintores como Pieter Aertsen (1507 ou 1508 - 1575) e Jacopo Bassano (ca.1510 - 1592), que articulam os temas religiosos à vida cotidiana e às cenas de gênero. As composições simbólicas e grotescas de Giuseppe Arcimboldo (ca.1527 - 1593) - com frutas, animais e objetos compondo figuras - alimentam o desenvolvimento da natureza-morta no período. Na passagem para o século XVII, a figuração documental exigida pelas ciências naturais joga papel destacado na valorização de uma arte que almeja representar os objetos e a natureza tais como empiricamente observados - por exemplo, Jacopo Ligozzi (1547 - 1627). Assim, o processo de paulatina autonomia da natureza-morta acompanha tanto a pintura naturalista (associada à ilustração científica) quanto a pintura de gênero, exemplarmente representada pelos artistas holandeses do século XVII e seus temas domésticos, figurados com riqueza de detalhes. Os objetos freqüentemente escolhidos para compor as naturezas-mortas são: mesas com comidas e bebidas, louças, flores, frutas, instrumentos musicais, livros, ferramentas, cachimbo, tabaco etc, todos referidos ao âmbito privado e à esfera doméstica, às vocações e aos hobbies, à decoração e ao convívio no interior da casa.
A desvalorização desse gênero pictórico reflete-se na sua própria denominação nas línguas latinas, "natureza-morta", "nature morte", e nas línguas saxônicas ,"still life", "stilleben" (vida imóvel, vida em suspensão). Caravaggio (1571 - 1610) é um dos pioneiros no gênero, exercitado entre 1592 e 1599 (detalhe de Baco, 1593, Cesto de Frutas, 1596). A opção pela "pintura natural das coisas naturais" (destacando a presença do corpo e a realidade pormenorizada do objeto reveladas pelos contrastes de luz e sombra), a escolha de tipos populares para compor cenários religiosos e o gosto por cenas de gênero marcam as obras do pintor milanês, um dos primeiros a desafiar a hierarquia imposta pelos teóricos da época, que viam a natureza-morta como tema menor. "Custa-me tanto trabalho fazer um bom quadro de flores, quanto um quadro de figuras", afirma ele. Na Espanha, Juan Sánchez Cotán (1560 - 1627) renova o gênero, valendo-se da abertura de janelas para emoldurar os objetos (Natureza-Morta com Marmelo, Couve, Melão e Pepino, 1600). No sul do país, o tema é adotado por Francisco de Zubarán (1598 - 1664), que desenvolve uma obra religiosa naturalista, produzindo paralelamente uma série de naturezas-mortas e cenas de gênero. Em Madri, Juan van der Hamen y León (1596 - 1631) confere novos contornos a esse tipo de pintura, dispondo os objetos em diferentes níveis e reduzindo o número de elementos da cena (Natureza-Morta com Frutas e Objetos de Cristal, 1626).
Jean-Siméon Chardin (1699 - 1779) é o grande pintor francês de naturezas-mortas e obras de gênero. No célebre A Arraia (1728) evidenciam-se suas preferências de composição: a prateleira de pedra e a austera ambiência interior, os objetos dispostos segundo uma ordem prática (sugerindo atividade humana), as texturas do linho e da cerâmica, o gato em meio às ostras e a arraia sangrenta no centro do quadro. As pequenas telas de Chardin - com objetos de cozinha e seus usuários, ambientes domésticos e cenas cotidianas - filiam-se à tradição da pintura de gabinete holandesa. No século XIX, os impressionistas, ainda que afeitos às paisagens ao ar livre, vão realizar naturezas-mortas, mas é com Paul Cézanne (1839-1906) que o gênero ganha novas dimensões, imortalizado pelas composições com maçãs executadas a partir de 1870. Ao contrário de Chardin, cujos trabalhos aludem ao à preparação do alimento na cozinha, assim como aos instrumentos do artista, nas obras de Cézanne os objetos parecem desligados de seu uso. "Suspensas entre a natureza e a utilidade, [as maçãs de Cézanne] existem apenas para serem contempladas", indica o historiador norte-americano Meyer Schapiro.
Os arranjos de objetos díspares nas diversas composições e colagens de Juan Gris (1887-1927), Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963) associam a natureza-morta diretamente ao cubismo, ainda que o gênero atravesse toda a arte moderna, como indicam as obras de Vincent van Gogh (1853 - 1890), Fernand Léger (1881 - 1955), Henri Matisse (1869-1954), Chäim Soutine (1893 - 1943), Pierre Bonnard (1867 - 1947), entre outros. Giorgio Morandi (1890 - 1964) é dos pintores modernos o que mais se concentra em naturezas-mortas. Seus objetos - garrafas, candelabros, potes -, compostos com base em combinações cromáticas sutis, são esvaziados de conteúdos simbólicos e literários, o que confere a essas obras uma dicção altamente pessoal.
Na história da arte brasileira as composições com frutas e vegetação de Albert Eckhout (ca.1610-ca.1666) encontram-se entre as primeiras naturezas-mortas realizadas. É possível acompanhar o gênero durante o século XIX, com as produções de Agostinho da Motta (1824-1878) e Estêvão Silva (ca.1844-1891), significativos pintores no contexto carioca. Já em São Paulo, na primeira metade do século XX, destaca-se a produção de Pedro Alexandrino (1856-1942). Com os artistas reunidos no Núcleo Bernardelli e Grupo Santa Helena, nas décadas de 1930 e 1940, o gênero ganha nova importância na arte brasileira. Nos anos de 1950, Milton Dacosta (1915 - 1988), Maria Leontina (1917 - 1984), Iberê Camargo (1914 - 1994), entre outros, realizam naturezas-mortas.
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